CTT – o serviço postal público<br>faz falta ao País

Bruno Dias

A im­por­tância dos Cor­reios é ine­gável. O ser­viço postal sempre foi vital para a po­pu­lação, par­ti­cu­lar­mente no in­te­rior do País ou nas ilhas, pela li­gação à vida das pes­soas, con­tra­ri­ando o iso­la­mento e o aban­dono que su­ces­sivos go­vernos im­pu­seram. En­cer­raram es­colas, tri­bu­nais, juntas de fre­guesia. En­cer­raram cen­tenas de es­ta­ções e postos dos CTT: 564 desde 2009. Agora é a pró­pria dis­tri­buição do cor­reio que está a ser de­gra­dada. O re­sul­tado da pri­va­ti­zação está à vista.

As es­tru­turas re­pre­sen­ta­tivas dos tra­ba­lha­dores da em­presa, e no­me­a­da­mente o Sin­di­cato Na­ci­onal dos Tra­ba­lha­dores dos Cor­reios e Te­le­co­mu­ni­ca­ções, apon­taram re­cen­te­mente si­tu­a­ções con­cretas em 32 Cen­tros de Dis­tri­buição Postal (CDP), de vá­rios pontos do País, onde se iden­ti­ficou pelo menos um local onde o cor­reio só está a ser dis­tri­buído uma vez por se­mana.

Du­rante anos foram che­gando alertas e de­nún­cias de pro­blemas deste tipo. Mas agora temos o re­lato sis­te­ma­ti­zado com a re­fe­rência es­pe­cí­fica de casos como estes – e muitos ou­tros existem que estão por iden­ti­ficar. Foram apon­tadas 132 si­tu­a­ções, em 55 CDP, em que a dis­tri­buição postal é efec­tuada com «giro em dobra», isto é, re­cor­rendo à dis­po­ni­bi­li­dade de car­teiros que tra­ba­lham para além da dis­tri­buição que lhes está atri­buída na sua jor­nada.

Há cartas que ficam vá­rios dias no Cen­tros de Dis­tri­buição Postal à es­pera para serem en­tre­gues. Chega a haver 15 dias de atraso ou mais na che­gada dos vales pos­tais com as pen­sões de re­forma. E de­pois disso o re­for­mado vai de es­tação em es­tação e não há di­nheiro em lado ne­nhum. Isto acon­tece de forma re­cor­rente, em di­versas re­giões do País.

Foi re­la­tada a ocor­rência de cen­tenas de giros agen­ci­ados, isto é, dis­tri­buição de cor­reio sub­con­tra­tada a in­di­ví­duos, a em­presas – que em cada mo­mento podem ou não ga­rantir o ser­viço, e que não estão en­qua­drados na es­tru­tura dos CTT, nem são por eles subs­ti­tuídos se fal­tarem. Há uma des­ca­rac­te­ri­zação e uma de­sar­ti­cu­lação geral nas es­ta­ções de cor­reios e no tra­balho que aí deve as­se­gurar o ser­viço pú­blico postal. As es­ta­ções foram trans­for­madas em ba­zares para venda de li­vros, discos, ma­te­riais de pa­pe­laria, etc. E agora, como se não fosse bas­tante, me­teram um banco dentro dos cor­reios. É o fa­moso Banco CTT.

Du­rante muitos anos os tra­ba­lha­dores dos CTT de­fen­deram a exis­tência de um banco postal. Não por acaso, foi sempre adiado pelos su­ces­sivos go­vernos, mas após a pri­va­ti­zação ra­pi­da­mente avançou. A questão é que esse banco está a nascer e a crescer à custa do ser­viço postal, com todas as con­sequên­cias para os seus tra­ba­lha­dores e utentes. De­zenas de es­ta­ções dos cor­reios foram já apon­tadas onde as filas e os tempos de es­pera se tornam in­su­por­tá­veis para os utentes, en­quanto em­presa co­loca fun­ci­o­ná­rios não no aten­di­mento ao ser­viço postal mas sim no ser­viço ban­cário.

O PCP já con­frontou o Go­verno com a ne­ces­si­dade de uma res­posta muito clara a esta si­tu­ação e a esta ac­tu­ação dos CTT – quer no to­cante à ga­rantia da qua­li­dade e da re­gu­la­ri­dade do ser­viço pú­blico postal, quer no que aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores e das suas con­di­ções de tra­balho diz res­peito. E por pro­posta do PCP foram ou­vidas na AR as or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­ta­tivas dos tra­ba­lha­dores dos CTT, bem como a Au­to­ri­dade Na­ci­onal de Co­mu­ni­ca­ções. As in­for­ma­ções que ali vi­eram a pú­blico só vi­eram con­firmar e dar mais força a esta de­núncia sobre o es­cân­dalo que se está a passar nos Cor­reios, in­clu­sive apon­tando as al­te­ra­ções le­gis­la­tivas que nos úl­timos anos re­ti­raram po­deres à ANACOM e deram carta branca à ad­mi­nis­tração dos CTT.

Pros­se­guir a luta

Es­tamos pe­rante um quadro que é in­dis­so­ciável da pri­va­ti­zação dos CTT – e que con­firma os alertas que sempre ma­ni­fes­támos no com­bate a esse pro­cesso. A ta­rifa base para o cor­reio normal au­mentou 46 por cento desde 2012. Mais uma vez, são os sa­cri­fí­cios de quase todos a dar for­tunas a ga­nhar a al­guns. E também no imo­bi­liário. Até o Pa­lácio Sousa Leal na Rua de São José em Lisboa, imóvel clas­si­fi­cado, cons­truído no sé­culo XVIII e que foi a sede da em­presa, foi já aba­tido ao pa­tri­mónio dos Cor­reios, tendo sido anun­ciada em De­zembro a sua venda por 25 mi­lhões de euros.

Só entre Ja­neiro e Se­tembro de 2016, os lu­cros dos CTT atin­giram 46 mi­lhões de euros. Isto soma-se aos mais de 210 mi­lhões re­gis­tados em 2013, 2014 e 2015. E quase todo este di­nheiro, num valor que au­menta de ano para ano, é dis­tri­buído em di­vi­dendos ao poder eco­nó­mico a quem o an­te­rior go­verno vendeu a em­presa. Aliás, de­pois de vir a pú­blico esta ver­go­nhosa de­gra­dação do ser­viço, a em­presa di­vulgou a «ac­tu­a­li­zação» do do­cu­mento es­tra­té­gico que serve de re­fe­rência aos ac­ci­o­nistas, co­lo­cando pre­vi­sões mais ne­ga­tivas em quase todos os in­di­ca­dores…, mas con­cluindo de forma ta­xa­tiva: «apesar desta ac­tu­a­li­zação, a Ad­mi­nis­tração re­a­firma que po­derá propor um di­vi­dendo mí­nimo de 0,48€ por acção para 2016, pa­gável em 2017.» Ou seja, os di­vi­dendos de 72 mi­lhões de euros este ano estão ga­ran­tidos, dê lá por onde der.

O re­sul­tado da pri­va­ti­zação não podia ser mais evi­dente, nem podia ser mais in­con­tor­nável a ne­ces­si­dade de exigir o re­gresso para a es­fera pú­blica desta em­presa e deste ser­viço es­sen­cial para a vida das pes­soas, para o de­sen­vol­vi­mento, a co­esão so­cial e ter­ri­to­rial, para a pró­pria so­be­rania na­ci­onal. É im­pe­rioso que haja von­tade po­lí­tica para en­frentar os in­te­resses dos grandes grupos eco­nó­micos que hoje con­trolam os CTT, e para pôr cobro a esta po­lí­tica de ataque ao ser­viço pú­blico e aos seus tra­ba­lha­dores. Por isso é tão im­por­tante a luta dos tra­ba­lha­dores e dos utentes dos cor­reios na de­fesa do ser­viço pú­blico postal e dos CTT ver­da­dei­ra­mente ao ser­viço do Povo e do País. É nessa luta que o PCP con­ti­nuará em­pe­nhado, na em­presa, na AR, no Poder Local, em toda a parte. Também aqui há ra­zões de sobra para dar mais força ao PCP.

 



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